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sexta-feira, 7 de março de 2014

Aprendiz de cozinheiro


Minha primeira experiência culinária aconteceu por volta dos sete anos. Mamãe tinha saído. Cortei duas bananas em pedacinhos, cobri com chocolate em pó e açúcar. Exibi orgulhosíssimo à noite, pouco antes do jantar. Papai experimentou fazendo caretas enquanto o pó do chocolate caía  sobre seu queixo. A receita tinha uma aparência espantosa. Recebi um ordem.

- Não faça mais bagunça na cozinha!

Nada estimulante para um futuro gourmet!

Devo reconhecer que minha primeira tentativa deixou o piso coberto de açúcar e meus cabelos marrons de chocolate. Consegui me conter por algum tempo. A tentativa seguinte foi excêntrica: cocadas azul-marinho, tingidas com anilina. Oferecia com ar misterioso.

- Adivinha o que é!

A visita pegava apavorada. Olhava em torno, à procura de algum lugar para fugir. Mordia. Vinha um sorriso aliviado.

- Ah, é cocada!

Eu me divertia. Mais com o susto do que com a cocada.

Alguns anos depois eu me dediquei às omeletes. O momento de virá-las sempre era trágico. Frequentemente despedaçavam. Nesse caso mudava o cardápio para ovos mexidos. Durante a faculdade, comia quase todo dia. Ou fritava dois ovos bem moles e misturava com arroz. Ah, que delícia! Os médicos americanos ainda não haviam descoberto todos os malefícios da gema de ovo, e eu podia desfrutar à vontade!

Foram os ovos fritos que me fizeram descobrir a mudança dos tempos. Na minha infância, a culinária era atividade quase exclusivamente feminina. Aos domingos, as mulheres se esfalfavam na cozinha, enquanto os homens bebiam cerveja. Elas botavam a mesa e eles comiam, muitas vezes reclamando do sal, do tempero, do ponto da carne. Depois, é claro, elas lavavam a louça enquanto os marmanjos descansavam. Quando, exaustas, terminavam de enxugar a montanha de pratos, sempre havia alguém para perguntar:

- O que vai ter de jantar?

Já morando sozinho, recebi a visita de meu pai. Estava gripadíssimo. Ele pegou a frigideira e fritou ovos. Papai, qu nunca se aproximara de uma panela enquanto eu era criança! Surpreso, descobri:

- O mundo está mudando!

Talvez um dos maiores sinais de mudanças de comportamento das últimas décadas seja justamente esse. O homem entrou na cozinha para ficar. Nas minhas primeiras incursões, sofri. Pegava uma cebola e espetava a faca como se estivesse cometendo um assassinato. Comprei livros de culinária. O problema é que nem sempre os livros ensinam tudo. Morria de desespero quando via a frase: "sal a gosto". Aconselhavam a nunca experimentar uma receita nova quando vem visita. Como saber se é boa, sem uma cobaia? Há ocasiões em que a hipocrisia dos amigos é até vantagem. Ainda me lembro de quando testei a sopa de conhaque com pimenta, receita chilena.

- Aceita mais um pouco?

- Nããããoooooooo... gemeu meu convidado com o suor caindo pela testa e a voz igual a uma lixa.

- Massss... estááááá... uma delíííííííícia!

Escalei montanhas de queijo parmesão, nadei em rios de caldo de galinha, chafurdei na maionese. Cheguei a lixar bolo para arrancar a parte queimada e depois disfarcei cobrindo com chantilly. Mas gosto de cozinhar. Relaxo, fico mais criativo! E como é bom sentar em torno de uma mesa, oferecer um prato, bater papo!

Outro dia, meu sobrinho resolveu fazer macarrão instantâneo com molho de pimenta. Na primeira garfada, parecia um dragão com o fogo saindo pela boca. Enquanto ele gargarejava, aconselhei, otimista.

- Insista! Um dia vai dar certo!

Na culinária e na vida, o bom cozinheiro é sempre um aprendiz!
Walcyr Carrasco

Crônica Brasileira Contemporânea
Ed. Moderna
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