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domingo, 1 de junho de 2014

A Magia das Arvores



E a Sua Importância Decisiva Para o Ser Humano

Árvores. A mera presença delas desperta uma paz e um sossego na alma humana. Esse é um segredo que explica por que – desde os tempos mais remotos – em todos os cantos do mundo, os sábios e místicos têm usado florestas como locais de refúgio e de inspiração.

Há uma relação natural e instintiva entre a árvore e o homem. Até os seus modos de respirar se completam. Aquele que medita pode aprender com as árvores uma sábia e serena imobilidade. Na antiga Índia, conta a lenda que Gautama Buda alcançou a iluminação ao pé de uma grande árvore chamada Bodhi, símbolo da sabedoria universal. Sentou-se ali em um entardecer, foi saudado amorosamente pelos seres da floresta, e travou sua batalha final. No momento da aurora, venceu definitivamente a ilusão e a ignorância.

É difícil imaginar seres tão benéficos quanto as árvores. Elas embelezam a paisagem, dão sombra, madeira, frutas, e são o refúgio e abrigo de pássaros e outras espécies de animais. Comunicam o subsolo com a atmosfera e purificam o ar. Atraem nuvens, regulam as chuvas, estabilizam o clima e garantem a umidade do solo. Combatem a erosão e evitam o excesso de ventos.

Mas, além das suas funções vitais e práticas, a árvore tem uma forte natureza mágica. Ela é universalmente considerada um símbolo do relacionamento entre céu e terra. Com sua estrutura vertical – o tronco – a árvore estabelece um eixo simbólico de ligação entre o mundo físico e o mundo divino. Por outro lado, seus galhos, ramos, folhas e frutos reúnem toda uma comunidade de aves, insetos, répteis e pequenos mamíferos, o que é um símbolo da infinita diversidade da vida.

Naturalmente, o Paraíso da tradição judaico-cristã é um bosque. Ali, segundo Gênesis, II, “Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas e boas de comer”. Porém, há duas árvores que se destacam nesse local sagrado. Uma delas é a árvore da sabedoria, que dá o conhecimento do bem e do mal. A outra é a árvore da vida, que simboliza a imortalidade.

Estas duas árvores não são inteiramente exclusivas da Bíblia: em seu tratado sobre história das religiões, Mircea Eliade destaca que os antigos babilônios também situavam duas árvores na entrada leste do Céu. Uma era a árvore da vida, e a outra a da verdade.

No Bhagavad Gita hindu (Cap. XV), o Universo é uma árvore invertida que tem suas raízes no céu e suas folhas e frutos na Terra. Seu nome é Asvartha, e sua imagem simboliza a manifestação concreta da vida cósmica. A mesma árvore com raízes no céu e frutos na terra aparece sob o nome de Yggdrasil no folclore dos países do Norte da Europa.

Do ponto de vista microcósmico, essa árvore mitológica representa cada alma humana, cujas origens e raízes estão na eternidade, mas cujas folhas e frutos são as atividades práticas do mundo concreto.

Mas, macrocosmicamente, esta árvore simboliza o universo material como um todo, que surge periodicamente do mistério e do mundo oculto para florescer em uma vida física e espiritual infinitamente variada.

Cada ser humano, como cada árvore, é uma miniatura e um resumo do universo. Esse é um dos motivos pelos quais temos tanto a ganhar convivendo com as árvores. A experiência de comunhão com elas faz parte de uma comunhão maior com toda a natureza e liberta a alma humana de seu sofrimento. John Muir, o grande pioneiro da preservação ambiental, deu seu testemunho a respeito.

Certo dia, no final do século 19, John estava decepcionado com alguns seres humanos. Para recuperar a consciência da sua unidade interior com todas as formas de vida, ele foi nadar sozinho em um grande lago, em região desabitada. Mais tarde, contou: “Foi o melhor batismo de água que jamais experimentei”. Ao sair do lago, ele olhou para o norte e viu as montanhas. Observou como as curvas suaves do vale desciam até mergulhar nas águas do lago. Então decidiu: “Agora terei outro batismo. Vou mergulhar minha alma no alto céu. Avançarei entre os pinheiros, entre as ondas de vento do topo das montanhas”.(1) Para Muir, não havia templo melhor que a natureza a céu aberto.

A árvore é cantada em prosa e verso nas mais diferentes culturas, e está presente nas imagens primordiais das várias religiões. O taoismo ensina que uma árvore sagrada, um pessegueiro, cresce na montanha K’un-lun e floresce uma vez a cada mil anos. São necessários três mil anos para que o fruto desse pessegueiro amadureça. O seu pêssego milenar é grande como um melão, mas vermelho e brilhante. Uma mordida nele é suficiente para que a pessoa prolongue sua vida até mil anos. Só os imortais, que alcançaram a sabedoria eterna, têm as credenciais necessárias para alimentar-se com o fruto do pessegueiro em flor.(2)

Era nas florestas que os sábios taoistas, budistas e hindus se refugiavam, mantendo-se afastados ao mesmo tempo da sociedade mundana e das burocracias religiosas. Também os magos druidas desenvolveram sua sabedoria nas florestas.

O humilde e silencioso crescimento de cada árvore é um símbolo cósmico da transformação do que é pequeno no que é grande, do que é potencial no que é real. No Novo Testamento, Jesus afirma que o Reino dos Céus é “semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou em suas mãos e lançou em sua horta; ele cresce, torna-se árvore, e as aves do céu se abrigam em seus ramos” (Lucas, 13: 18).

Mas a popularidade universal das árvores não impediu a sua constante destruição em função de interesses materiais de curto prazo.

No mundo antigo, as novas civilizações surgiam saudáveis em regiões bem florestadas. Algum tempo depois, as populações já se multiplicavam e o consumo de madeira crescia excessivamente. As árvores eram usadas como lenha – algo indispensável para fundir metais – e também como material para construir casas e barcos.

É verdade que o mundo grego já procurava proteger suas florestas desde Aristóteles. As cidades da Grécia tinham os seus arvoredos sagrados, equivalentes aos parques nacionais de hoje. Mas, apesar das cautelas, esses bosques intocáveis foram destruídos. A decadência de Atenas, a partir de 404 a.C. está relacionada com o esgotamento das suas florestas durante as guerras.

Cada sociedade que ganhava poder e influência usava a guerra como meio de expandir-se. Então as reservas florestais eram usadas para fundir metais, para produzir armas e construir navios de combate. O desmatamento descontrolado provocava a erosão do solo, que destruía a produtividade agrícola, provocando a decadência da sociedade e finalmente a sua derrota nas guerras. Por isso, Helena Blavatsky escreveu que a decadência de uma civilização se segue à destruição das suas florestas tão inevitavelmente quanto a noite segue o dia.

O mundo romano, como a sociedade grega, devia sua força às árvores. A floresta era considerada mãe de Roma. Todo o crescimento do império romano se baseou sobre o uso das florestas e de outros recursos naturais, no seu próprio território e nos territórios de povos distantes. Mas valeu a regra geral e o caso de Roma não foi uma exceção: no seu devido tempo, a destruição das florestas e da base ecológica da vida ajudou a provocar a decadência e o fim do vasto império que dominava o mundo.(3)

Ao longo de milênios, enquanto alguns cortavam as árvores, outros as viam como seres sagrados. Com seu charme encantador, elas sempre inspiraram sentimentos religiosos. Na Inglaterra, só no século 11 a Igreja cristã, finalmente, decretou que era “pecado” construir um santuário em torno de uma árvore. Mas em 1429, o clérigo de Bungay ainda sustentava que as imagens religiosas não tinham muito valor, e que as árvores tinham mais energia e virtude, “sendo mais adequadas ao culto do que pedras ou madeira morta esculpida com a forma de um homem”. Alguns dos primeiros protestantes consideravam que se podia rezar tanto nos bosques como nas igrejas.

Quando a madeira começou a escassear na Inglaterra do século 17, surgiu a prática do reflorestamento e a preservação florestal ganhou força. A admiração pelas árvores também se apoiava em certos mitos cristãos, na época considerados literalmente verdadeiros. Em 1670, por exemplo, John Smith, especialista em silvicultura, sustentava que alguns carvalhos ingleses ainda vivos haviam surgido no primeiro verão depois do Dilúvio, e que uns poucos entre eles eram, inclusive, “do momento da Criação do mundo”.

Exageros à parte, os fiéis das paróquias inglesas faziam uma peregrinação anual. Durante a caminhada, paravam de quando em quando diante de um carvalho de maior porte para ler as escrituras e rezar ao pé da árvore, que consideravam sagrada. O poeta inglês Alexander Pope escreveu que uma árvore é “uma coisa mais nobre do que um príncipe em traje de coroação”. As árvores eram temas de livros. Plantá-las era um esporte em toda a Europa. Essa tendência cultural compensou, em parte, a devastação causada pela revolução industrial, cuja poluição ambiental era extrema.(4)

O que dizer do Brasil? Nosso país deve seu nome a uma árvore. Depois de 500 anos de desmatamento, ainda somos donos de mais da metade da maior floresta tropical do mundo. As árvores ocupam lugar central em nossa história, nossa economia e nossa cultura. As lendas tradicionais falam de Curupira, o deus que protege as florestas brasileiras. Ele é um pequeno índio com os pés voltados para trás, e seu corpo não tem os orifícios necessários para as excreções indispensáveis à vida. Por isso, o povo do Pará o chama de muciço. No Amazonas, Curupira é visto como um pequeno índio de quatro palmos de altura, careca, mas com o corpo coberto de pelos. No rio Tapajós, ele tem apenas um olho.

O pequeno deus Curupira é dotado de uma força extraordinária. Para experimentar a resistência das árvores antes de uma tempestade, ele bate nelas com o calcanhar. Curupira tanto mostra a caça como a esconde. Sua função é proteger a mata e seus habitantes. Todo aquele que derruba ou estraga inutilmente as árvores é punido por ele com o castigo de caminhar indefinidamente pelo bosque sem poder lembrar do caminho de casa. Por isso era temido pelos indígenas.

Curupira foi o primeiro duende selvagem que a mão branca do europeu fixou em papel e comunicou a países distantes”, escreveu Luis da Câmara Cascudo. José de Anchieta já o citava em uma carta de 1560. Mas seu nome tem variações: no Maranhão, esse deus da floresta se chama Caipora. Ele tem uma presença marcante nas lendas do sul brasileiro, e ganha o nome de Curupi no Paraguai e na Argentina.(5)

Os mitos brasileiros registram o conceito de caapora (caipora no norte e nordeste) para designar genericamente qualquer um dos espíritos da natureza que aparecem nas florestas. Mas Caapora também está associado aos pequenos animais selvagens, enquanto que Anhanga é o espírito que protege os animais maiores, como a paca, a anta, a capivara e o veado. A caipora nordestina é mulher, aparece quase sempre montada em um porco-do-mato, e ressuscita os animais abatidos.

O simbolismo universal das árvores é rico e complexo – e estimula a busca da sabedoria. Cada espécie de árvore irradia uma influência e uma vibração próprias, que os seres humanos buscam descrever com palavras. O espírito do cipreste, por exemplo, representa a imortalidade. O pinheiro, a árvore escolhida para as festas de Natal, é outro símbolo da vida espiritual. A acácia representa a verdade, assim como o sicômoro simboliza a bondade.

O carvalho é a árvore de Zeus, de Júpiter, e simboliza a força divina e o eixo do mundo. A aveleira, que dá a avelã, representa a fertilidade e ainda fornece a madeira de que são feitas as varinhas mágicas. A figueira e a oliveira simbolizam a abundância. A figueira também pode representar o eixo do mundo, como o carvalho. A videira é uma árvore sagrada tanto na tradição egípcia como na antiga Israel, e alguns a associam à Árvore da Vida. A mamona – que aparece na breve história bíblica de Jonas – simboliza a imprevisibilidade do futuro e nos ensina o desapego. Ela nos faz lembrar que, apesar das aparências, a vida raramente é linear e contínua.

Os significados e as influências espirituais das árvores são inesgotáveis. Em diferentes momentos da nossa vida, cada árvore – em um parque, uma rua ou um quintal – traz a nós mensagens diferentes. Devemos estar abertos ao diálogo silencioso com estes seres benéficos. Há inúmeras vantagens nisso.

Segundo o filósofo Plotino, todas as plantas buscam a felicidade. De fato, a filosofia esotérica ensina que, assim como os animais mais evoluídos já fazem força para aproximar-se do desenvolvimento mental, as plantas, por sua vez, avançam no sentido do desenvolvimento das emoções.

Ora, as árvores estão entre os habitantes mais sábios e evoluídos de todo o reino vegetal. Há inúmeros relatos de que elas são capazes, à sua maneira, não só de receber os nossos sentimentos de amizade mas também de responder a eles. Nossa pobre inteligência humana só tem a ganhar quando percebemos a inteligência das árvores. O conteúdo das lições que elas nos trazem, porém, depende da nossa capacidade de deixar de lado as coisas pequenas, que pensamos que conhecemos, e de abrir-nos para a magia da vida.

Carlos Cardoso Aveline


NOTAS:

(1) “The Life of John Muir”, de Linnie Marsh Wolfe, The University of Wisconsin Press, Wisconsin, EUA, 364 pp., ver p. 193.

(2) “Seven Taoist Masters”, tradução do chinês para o inglês de Eva Wong, Ed. Shambhala, Boston e Londres, 1990, 178 pp. Ver p. 19.

(3) Para saber mais sobre a importância decisiva das florestas na história das civilizações humanas, veja a obra “História das Florestas”, de John Perlin. Ed. Imago, RJ, 1992, 490 pp.

(4) Sobre a importância das árvores na cultura inglesa, veja a obra “O Homem e o Mundo Natural”, de Keith Thomas, Cia. das Letras, SP, 1988, 454 pp., especialmente as pp. 253-266.

(5) “Geografia dos Mitos Brasileiros”, Luís da Câmara Cascudo, Ed. Itatiaia (USP), SP, 1983, 345 pp., ver pp. 84-86.

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